domingo, 2 de novembro de 2025
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
[Opinião] O Aniversário de Juan Ángel - Mario Benedetti #563
"em última instância haveria que se reconhecer que ninguém é má gentetodos cumprem com deus e com o estatutorezam quando há o que rezarperdoam quando há o que perdoarfalsificam quando há o que falsificaralvissaram quando há o que alvissararescarmentam quando há o que escarmentarsempre de acordo com deus e com o estatuto"
Gente, que livro maluco!
Gosto muito de Mario Benedetti, já li alguns livros dele e a cada um é uma experiência totalmente diferente do anterior... agora esse aqui foi uma experiência diferente de qualquer coisa que já li na vida... e eu já li muita coisa nessa vida.
Primeiro que ele é escrito em versos, o que já dá uma cara de poema, o que já é um problema pra mim... não bastasse isso, é um livro sem capítulos, e se não bastasse isso, ele não tem pontuação nenhuma.
Além do formato do texto, ainda temos a particularidade de que o livro se passa em um dia e em 27 anos ao mesmo tempo... Acompanhamos o dia de aniversário de Osvaldo Puente, e a cada hora do dia, ele tem uma idade diferente, então o autor separa os anos em horas de um mesmo dia... e nem sempre fica claro quando muda a hora/o ano, mas o autor dá dicas, mesmo quando não fala diretamente a idade ou o horário.
Explicado, mal e mal e porcamente, a estrutura do livro, passemos para o enredo da história... Como já disse, vamos acompanhar o(s) aniversário(s) de Osvaldo Puente, começando quando ele está completando 8 anos, conhecemos sua forma peculiar de se referir à família. Como a mãe ser a flamingo, o pai o coruja... e outros membros sendo outros animais.
Conforme o dia/anos vão passando, a forma de narração vai mudando sutilmente, os versos se tornam mais longos e mais elaborados, sem tantas repetições e, obviamente, os assuntos também se alteram... inclusive indo para um teor mais adulto, no sentido inapropriado para menores, mesmo. Além de começar a abordar questões políticas, que é, talvez, o principal tema do livro.
Ao se envolver na militância política, Osvaldo Puente assume o nome de Juan Ángel (e então o título do livro faz sentido). Isso inspirado em Raúl Sendic, a quem, inclusive, Benedetti dedica o livro.
É um livro com tom de urgência, onde o autor mostra a ascensão de uma ditadura no Uruguai, coisa que realmente viria acontecer poucos anos depois. O autor foi um exilado político e opositor ao sistema ditatorial que se instalou no seu país por doze anos. Benedetti também usa esse tema, nesse caso depois da ditadura instalada, no livro Primavera em Um Espelho Partido, caso alguém se interesse.
De forma geral, foi uma experiência de leitura muito interessante, mas muito mais pelo formato diferentão do que pela história em si, que pode ter sido prejudicada justamente pelo formato peculiar. Dentro do que propõe ele cumpre bem, mas não chega a se destacar entre outras obras do autor.

domingo, 26 de outubro de 2025
[Opinião] Entrevista com o Vampiro - Anne Rice #562
"Mas lhe contarei um segredo, se é que posso fazê-lo, que se aplica não somente a vampiros, como generais, soldados e reis. A maioria de nós prefere ver alguém morrer a suportar uma indelicadeza em nossa própria casa."
Então... finalmente li esse livro... e não sei se não era melhor ter adiado mais uns... sei lá... oitenta anos...
Não odiei o livro, mas foi meio decepcionante.
É difícil um livro de vampiros me empolgar, e aqui, a parte dos vampiros é até interessante... inclusive o livro é sobre a maldição de ser eterno, a solidão que isso acarreta, ver todos de quem gosta morrerem e como uma vida sem propósito, sem sentido, pode ser pior do que a morte.
Aqui conhecemos Louis, um vampiro que aborda um jornalista com intenção de se alimentar, mas então ele muda de ideia e resolve contar sua história ao homem, e aí vamos conhecer o Louis ainda humano, no século XVIII, podre de rico... até que chega Lestat, um vampiro detestável, desprezível e odioso... que leva seu pai humano para morar com ele e Louis, depois de transformar o protagonista.
Uma coisa do mito do vampiro que muito se perdeu nos últimos anos, é que ele é a pura representação do mal, mas como tudo tem que ser relativizado hoje em dia, temos muitos vampiros conscientes, com alma... isso já me dá um bom tanto de preguiça... outra coisa é que o vampiro exerce um fascínio nas vítimas, uma hipnose que as confunde para que ele possa se alimentar, e aqui até temos isso, mas os vampiros desse livro são todos metrossexuais que cativam muito mais baseados na sensualidade... inclusive, um dos principais problemas do livro.
Por serem eternos (enquanto não peguem fogo ou vejam o sol, pelo menos) eles procuram a companhia de outros vampiros, então temos uma relação muito esquisita de ódio e luxuria entre Louis e Lestat (no caso desses dois, muito mais ódio do que luxúria) e depois teremos a introdução de uma vampira, uma menina de 5 anos que é transformada por Lestat, depois que Louis se alimenta dela... ela foi transformada com 5 anos de idade... então ela terá para sempre essa idade, pelo menos fisicamente.
Essa vampira se chama Claudia, ela está bem longe de ter os escrúpulos que Louis tem, não exita nem por um segundo antes de matar alguém... e depois de anos sendo tratada como uma filha por Louis e Lestat, ela também começa a ocupar um lugar meio que de amante de Louis... ela se comporta como uma mulher adulta, sim... mas pra todos os efeitos er... biológicos... ela ainda é uma criança de 5 anos... em vários momentos esse livro me lembrou muito Lolita... que deve ser o livro mais traumático que já li....
Não vou mencionar os detalhes da história conforme ela se encaminha para o final, os novos personagens que aparecem e tals... mas não gostei deles também... a autora faz parecer que são todos com carência em excesso e ansiosos pelo próximo intercurso... não curti.
Anne Rice cresceu em New Orleans vivendo num espectro de estimulação física e artística. Ela foi criada de um jeito diferente e exposta a grandes ideais que deram-na um apurado senso de auto-valorização. Sua imaginação desenvolveu-se e populou um mundo de fantasia, usando vários elementos do mundo do mistério e sobrenatural. No entanto, seu senso de nuance e sua herança sulina e irlandesa teve influencia suficiente no seu estilo para torná-la uma grande escritora. Os eventos dramáticos que aconteceram em sua vida resultaram numa riqueza emocional que recheia suas obras e cativa muitos leitores.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025
[Opinião] A Casa Verde - Mario Vargas Llosa #561
"Foi assim que a Casa Verde nasceu. A construção levou muitas semanas; as tábuas, as vigas e os tijolos precisavam ser arrastados de outra ponta da cidade, e as mulas alugadas por don Anselmo avançavam com dificuldade pelo areal. O trabalho começava de manhã, quando a chuva seca parava, e terminava quando o vento aumentava. De tarde, à noite, o deserto engolia os alicerces e enterrava as paredes, as iguanas roíam as madeiras, os abutres faziam seus ninhos na insipiente construção, e toda manhã era preciso refazer o que tinha sido começado, corrigir os planos, repor os materiais, num combate surdo que foi galvanizando a cidade. 'Quando o forasteiro vai se dar por vencido?'perguntavam-se os vizinhos."
Começar avisando que esta postagem está saindo no dia do meu aniversário, e que o link pra minha lista de desejos é este aqui, não que eu esteja insinuando alguma coisa, imagina.
Então, aqui temos mais um dos livros de estrutura maluca do Llosa, aquela bagunça de narrador, cenário e tempo que a gente adora, mas confesso que aqui eu me perdi com força... acho que é o livro mais confuso do autor... ou eu que não prestei a atenção devida... mas já digo que é um caminho melhor ir pra Cidade e os Cachorros e Conversa no Catedral antes de encarar isso aqui.
Temos diversos protagonistas aqui... incluindo um sargento (é sargento? talvez general... mas acho que não é apenas cabo, já não tenho certeza) chamado Lituma... é o mesmo Lituma do livro Lituma nos Andes? Não sei... É o mesmo Lituma que era cabo nas histórias de Pedro Camacho em Tia Júlia e o Escrivinhador? Nem ideia... mas é aqui que este nome aparece pela primeira vez (que eu me lembre) uma vez que este é o segundo romance publicado pelo autor. Ele estava de serviço no meio da selva amazônica, entre os companheiros do exército e os indígenas que habitavam a região... até voltar para Piura, uma cidade isolada no deserto peruano, onde um forasteiro chamado Don Anselmo construiu uma misteriosa (pelo menos, num primeiro momento misteriosa) casa verde, que logo se revela um prostíbulo e que, além de dar nome ao livro, é uma construção quase personagem, pois tudo vai orbitar a dita casa.
Além de Lituma e Don Anselmo, acredito ser seguro dizer que Bonifácia também faz as vezes de protagonista... Bonifácia é uma índia que é tirada da aldeia e colocada num convento (que também é um dos principais cenários do livro... porque tem tudo a ver com a selva e com o prostíbulo...), no convento ela é chamada de Selvática... e como ela foi pra lá contra a vontade, não é muito feliz que a encontramos...
Como eu disse, é um livro complicado de se acompanhar, quando os personagens de diferentes cenários começam a se encontrar então, aí é só queimando muito neurônio pra entender quem, de onde e quando está falando... já que o tempo aqui é como um espelho quebrado em pedaços bem pequenos, o leitor que vai ter que organizar, dentro da própria cabeça (ou num caderninho a parte) a história em ordem cronológica.
A Casa Verde muda a vida de todo mundo, desperta interesse em alguns, repulsa em outros e até ambos em uma maioria. É um livro que vai criticar tudo e todos, não vai poupar ninguém, você sai dele sem fé nenhuma na humanidade e achando que ninguém no mundo presta... ou talvez eu não tenha entendido direito o livro... o que é uma grande possibilidade...
É difícil definir o que pode ser considerado spoiler nesse livro, porque elementos do final são falados desde o início, tem uma relação... romântica... vamos chamar assim, que é uma das poucas coisas que segue uma ordem quase coerente, mas se falar das personagens nesse, er... relacionamento, pode estragar a experiência de alguém... pelo menos neste aspecto, tem muita coisa pra chamar de experiência nessa leitura.
É um livro sobre a podridão humana... mas também sobre a humanidade no meio da podridão... ninguém é perfeito, mas sempre tem algo que dá pra salvar em cada um... a esmagadora maioria das pessoas é hipócrita, e poucas pessoas vão assumir isso. É um livro que vai direto para a pilha de releitura, quem sabe numa segunda tentativa eu consiga extrair mais do que ele tem a oferecer.
Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados escritores da atualidade. Nascido no Peru, em 1936, passou a primeira infância na Bolívia. Viveu em Paris e lecionou em diversas universidades norte-americanas e europeias.
Foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual"
Faleceu, de causas naturais, em 13 de abril de 2025, em sua casa na cidade de Lima, no Peru.

domingo, 19 de outubro de 2025
[Opinião] O Jogo do Rei: Em Busca da Coroa - Reyves L. B. #560
"Mas é incrível, não é? Você leva uma vida inteira de boas ações para criar um bom nome e sustentar sua honra, mas basta uma decisão errada para te jogar no mais profundo limbo que a desonra pode trazer."
Eu não sou o cara da fantasia, nunca fui um grande fã, mas dentro da fantasia, o que mais me agrada é justamente a alta fantasia, que é quando tudo acontece num mundo à parte, não se mistura com o mundo real, enfiando coisas fantásticas no nosso dia-a-dia, minha suspensão da descrença não é evoluída a ponto de comprar essa ideia... o que é irônico, já que o surrealismo de autores como Haruki Murakami muito me agrada.
Felizmente o que temos aqui é justamente uma dessas altas fantasias, com um mundo totalmente criado para a história, e longe de ser um mundo feito de qualquer jeito. O autor realmente se preocupou em colocar os alicerces de toda a criação deste mundo para poder ambientar sua história. Desde um sistema de magia, que funciona dentro da simplicidade na qual foi baseada, até um sistema de crenças, que soa bastante familiar, mas falemos dele mais adiante.
Aqui conhecemos Rubyo, o filho bastardo de um rei assassinado, seu reino foi dissolvido e seu povo dispersado, todos vivendo sob o jugo da amargurada rainha Lucrécia, que era a esposa oficial, embora não passasse disso, do rei Edmund VI... Não vou falar aqui como se dá essa dinâmica do casamento deles e do nascimento de Rubyo porque isso só será explicado lá pela metade do livro.
Apesar de ser o herdeiro ilegítimo de um reino dissolvido, Rubyo tem, mais do que o sonho de reconquistar o trono (que no momento nem existe), leais súditos, na falta de termo melhor, que o preparam para o seu futuro e incerto reinado. São eles seu tio, Argus, que é mestre em um estilo de batalha chamado Eddor, que usa para treinar o sobrinho, e Ollaff, que não é um boneco de neve com a voz de Fábio Porchat, mas um mago de cerca de 400 anos, versado em magia e que ensina Rubyo alguns truques... como lançar muito úteis bolas de fogo na cara de inimigos.
Esses personagens, juntamente com um quarto companheiro, formarão o grupo principal da aventura neste livro, e conforme a história avança (abarcando cerca de 9 anos, com dois saltos temporais, que são muito bem trabalhados - por que choras, Nathaniel Hawthorne?) vamos conhecendo como funciona o mundo ao qual fomos inseridos, tudo sendo mostrado, com raros momentos de explicação que não tem aquele teor de aula expositiva, mas cumpre o papel melhor do que se fosse.
O autor é um médico de Taubaté... não da forma que soa, ele realmente é um médico que mora em Taubaté... é também um cristão e pai de duas filhas, tem um canal no Youtube onde faz resenhas hilárias e excelentes... a parte do youtube é relativamente recente, mas já dá pra consumir um pouco do conteúdo... ele tem também muito conteúdo sobre seus livros, videos, ilustrações e músicas que colaboram com a imersão, mas é um plus, o livro se sustenta muito bem sem estes extras... Por que estou falando disso? Porque sabendo disso, você consegue fazer alguns paralelos no livro... Muitos dos ensinamentos de Mestre Ollaff e ditados do mundo apresentado no livro tem origem bíblica... ou de piadas de tiozão do pavê
"Boi em curral alheio, muge igual vaca"
e isso se reflete também no sistema de crenças que mencionei antes, a divindade presente neste mundo é composta por três deuses, o que pode não ter sido nem a intenção, mas a mim parece uma clara referência a trindade cristã.
Por ser médico, também temos muitos detalhes anatômicos presentes na história, desde descrições de ferimentos, até formas de tratá-los, embora em muitos dos casos eles se curem na base da magia (a sorte, porque o autor não tem pena nenhuma dos personagens), até alguns conhecimentos que os personagens tem que algumas pessoas podem não ter, normalmente, como cheirar ferimentos pra identificar uma possível infecção.
O livro pode ser encontrado em e-book, na Amazon, inclusive disponível no Kindle Unlimited, ou comprado físico no site da editora ou diretamente com o autor (que, segundo ele, na mão dele é mais barato), você pode entrar em contato pelo instagram, é fácil encontrá-lo, deve ser o único Reyves por lá...
Sobre a capa do livro... confesso que tive preconceito... na verdade, tive vários preconceitos, num primeiro momento, sobre a capa, minha crítica foi ela ser muito escura, mas ela retrata um momento de bastante peso na narrativa, então acho que coube muito bem e passei a gostar mais dela depois da leitura (embora a dos outros volumes continuem sendo melhores). Uma única crítica que tenho, em relação a história, é que, em determinado momento, logo no início da aventura, acontece a morte de um animal... e tudo bem que era um animal pelo qual um dos personagens tinha muita estima e tal... mas me pareceu que o autor quis dar um peso um tanto exagerado para o episódio... pelo menos ele não minimiza a morte de ninguém, todas tem um peso bastante coerente... só essa que achei um pouco exagerado.
Uma coisa inevitável quando você já leu muita coisa, é ficar fazendo conexão com outros livros que já leu, apontando semelhanças, e aqui não foi diferente pra mim, vi várias semelhanças com outras obras, não no enredo em si, mas alguns detalhes, como Rubyo ser um menino ruivo que toca alaúde, assim como Kvothe, em O Nome do Vento (pelo menos essa trilogia está completa, aprenda Patrick Rothfuss), também lembrei, sem mencionar os detalhes, para não estragar a leitura de ninguém, de Prícipe Caspian, Os Legados de Lorien e até de O Concorrente, do Stephen King (que eu não li, mas vi o filme... não que seja algo muito específico).
Em suma, é um livro divertido, criado com bases sólidas, bastante coerente, divertido e que funciona perfeitamente como o início de uma trilogia, a história deixa o leitor com gosto que quero mais e não tem nada sobrando. Tudo muito bem elaborado e desenvolvido com extrema eficiência. Vai se tornar o livro da vida de alguém? Não sei dizer, mas duvido que alguém se arrependa da leitura.
Reyves Lorenzoni é nascido em Taubaté-SP, cidade berço de grandes ficcionistas como Monteiro Lobato, Mazzaropi e a Grávida de Taubaté. Médico e escritor, cuida de corações e de palavras. É autor da trilogia fantástica “O Jogo do Rei”, que foi escrita nos intervalos de seu trabalho como cardiologista, marido e pai. Durante a pandemia de COVID-19, encontrou seu refúgio na escrita e não parou mais de escrever, fazendo parte também de diversas coletâneas de contos como Brasil Despedaçado, Brevidades e Tesouros Encantados. Tão caseiro quanto um Hobbit, gosta de passar seu tempo livre pescando, fotografando, lendo e jogando.

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