quarta-feira, 24 de setembro de 2014

[Opinião] Infâmia - Ana Maria Machado #89




Editora:
 Fontanar


N° de Páginas:277

Citação:


Porque se você olhar qualquer morro dessa cidade vai ver que cada favela dessas está cheia de gente que não deve coisa nenhuma mas que teme muito. Gente que todo dia vai e volta de casa para o trabalho sem dever nada, mas no caminho sobe e desce escadinhas ou anda por becos e ruas que estão no meio de guerra de quadrilhas, de tiroteio entre polícia e bandido, de bala perdida, de tribunal sumário, de chacina, e de todas essas coisas que a gente sabe que acontecem. Não dá para não temer, mesmo sem dever. E não é só no morro, é no asfalto também, e na embaixada, e nas comunidades  sem asfalto da periferia. Em todo o canto. O sujeito cai morto de repente e a família fica chorando, revoltada e no desamparo. Mas ninguém precisava temer, porque não devia nada."
Sinopse:
  Infâmia é um livro marcante na obra de Ana Maria Machado. Ao narrar duas histórias em paralelo, ela constrói um romance que questiona - de forma corajosa e inteligente - os artifícios que com tanta frequência encobrem a verdade no mundo atual.
  Por um lado, um embaixador precisa descobrir o que se esconde por trás da misteriosa morte da filha, anos atrás. Por outro, um pacato funcionário público se vê às voltas com uma acusação infundada de corrupção. Em ambos os casos, eles e seus familiares precisam enfrentar um inimigo velado, poderoso, que se coloca em seus caminhos.
  Ana Maria Machado nos mostra que essa é uma luta que faz parte da própria história do homem. Uma luta inglória, difícil de ser vencida, mas que precisa ser travada.

Opinião:
   Infâmia: sf. 1. Má fama. 2. Perda de boa fama. 3. Ignomínia. 4. Qualidade de, ou ato infame. Desses quatro significados (que praticamente falam a mesma coisa com palavras diferente) o que mais expressa os acontecimentos do livro é o segundo.
  Já queria deixar uma coisa clara: Ana Maria Machado sambou, sapateou, pisoteou e fez moonwalker na cara da sociedade com esse livro, o tema principal abordado na história é a distorção (ou omissão) da verdade:
"Cada vez mais, percebia que nunca o engano estivera tão a solta, jamais fora tão fácil o logro coletivo em tão larga escala. O contrário do famoso axioma: agora poucos enganavam a muitos durante o tempo todo."
  De um lado temos um embaixador aposentado, com toda a família no ramo diplomático, o neto está fazendo um documentário sobre os inúmeros casos de infâmia (e não é só por isso que o livro tem esse nome) de pessoas importantes no decorrer da história do Brasil, enquanto tentam descobrir quais nuances se escondem e distorcem o real motivo da morte da filha/mãe.
  Do outro lado temos o pai do fisioterapeuta do embaixador, que trabalha em uma repartição pública como encarregado do almoxarifado, ao perceber algumas irregularidades em seu local de trabalho começa a investigar e descobre que está havendo desvio de material, ao denunciar eles conseguem virar a acusação pra cima dele, e é aí que está a verdadeira infâmia do livro:
"O que era aquilo? Alguém queria intimidá-lo e lhe dar uma lição? Pois estavam dando. Estava tendo um curso intensivo. Mas ele devia ser um péssimo aluno. Nem ao menos conseguia entender o que devia aprender. Talvez, que não se deve meter o nariz onde não se é chamado. E que ele não tinha nada que ter procurado zelar pelo patrimônio público. Ou talvez a lição fosse mais radical e ele precisasse ficar sabendo de uma vez por todas que tudo é dominado pelos bandidos e, por isso, não se denuncia bandido. Nem ao menos se insinua que pode haver algo suspeito no que estão fazendo, mesmo quando se pode provar."
  Lançando mão de diversos casos reais acontecidos no Brasil ao longo dos anos, a autora nos explica como a mídia e a política controla as massas em busca de benefício próprio. Com diversas referências a livros os personagens incrivelmente convincentes discutem as desvantagens de ser alienado e controlado pelos mais poderosos, a história e os personagens são tão bem feitos que até os diálogos se encaixam, a família do embaixador faz uso de um vasto vocabulário e exala inteligência e até um pouco de arrogância, enquanto a família do funcionário público abrevia as palavras, fala como uma "pessoa normal" sem todo o conhecimento diplomático do embaixador e companhia.
  A narrativa é interessante e nos prende, mesmo grande parte dela sendo apenas enchimento de linguiça, acontecimentos realmente relevantes para a história são poucos, o livro pode desagradar aqueles que gostam de ação mas é tudo descrito de forma tão inteligente que mesmo a falta de acontecimentos não me desagradou, fiquei simplesmente apaixonado pela escrita da autora, não é a mias fácil do mundo mas é incrível.
  O final pode ter deixado um pouco a desejar, a história vai indo e *puf* acaba, ela dá umas sugestões/esperanças do que vai acontecer, mas no momento de elas acontecerem ela simplesmente acaba o livro, esse foi o motivo de eu ter tirado uma estrela

Um Comentário com spoiler
Me desagradou profundamente a primeira frase da página 120, eu esperava que Cecília realmente tivesse morrido de forma misteriosa aí chego lá e encontro:
"[...] mas também filha deles, subitamente morta por um colapso cardíaco muito antes do que seria de se esperar"
Aí tá né: 1° Um colapso cardíaco não é uma forma misteriosa de morte (fiquei aliviado quando percebi que a parte misteriosa não tinha sido a causa da morte)
2° todo colapso cardíaco é de súbito, não tem nenhum que chega de mansinho, desnecessário esse pleonasmo.
e 3° sempre que um pai tem que enterrar um filho o filho morreu antes do que era de se esperar... outro pleonasmo desnecessário 

4 comentários:

  1. Rudi, eu ri com o segundo paragrafo da sua resenha. KKKK'

    Bom, eu curti a resenha, mas não sei se eu curtiria o livro, já que é escasso de ação e muitas vezes é cheio de encheção de linguiça, não entendo como mesmo assim você tenha se apaixonado, acho que foi pela forma inteligente. Mas é isso ai, nunca desistir de um livro. Já o spoiler, eu li e também achei algo desagradável e impulsivo.
    Abçs

    Gabryel Fellipe e algo - Confins Literários [agora em parceria com Rudimar Baroncello]

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    Respostas
    1. Realmente é encheção de linguiça, mas sabe aquelas linguiças temperadas que a gente ataca assim que saem da churrasqueira? Gosto muito mais quando o autor consegue levar a história mesmo sem muita ação do que quando se perde em meio a tantos acontecimentos...

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  2. Hahaha Adorei sua resenha!
    Apesar dos contras, parece mesmo ser um livro interessante, é bom ler sobre esses temas também, porque muitas vezes estamos distantes da realidade e enxergamos apenas o que os outros querem que a gente veja.
    Beijos, Lerissa. :D
    lerissakunzler.blogspot.com.br

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    Respostas
    1. Pois é Lery,
      Ele é meio paradão e em alguns momentos difícil de entender mas eu adorei o livro (provavelmente entrará para a lista dos sorteáveis para o ano que vem ^^)

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