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terça-feira, 2 de setembro de 2025

[Opinião] Nosso Homem em Havana - Graham Greene #553

Compre pela Amazon 

"A infância era o germe de toda desconfiança. É-se cruelmente zombado e depois cruelmente se zomba. Perde-se a memória da dor ao infligi-la. Mas, de alguma forma, ainda que não mediante virtude própria, ele nunca tomara esse trajeto. Faltava-lhe, talvez, caráter. Dizia-se que as escolas formavam o caráter desbastando as arestas. Suas arestas haviam sido desbastadas, mas o resultado não fora, pensou ele, um caráter - apenas uma deformidade, tal como uma obra exposta no Museu de Arte Moderna."
  Graham Greene é um daqueles autores dos quais tenho interesse em ler toda a obra, mas não tenho muita pressa e tenho lido um livro dele por ano. Este é o sexto livro dele que leio, e o primeiro que tem uma veia cômica tão evidente.
  Aqui conhecemos Jim Wormold, que como todo bom inglês será chamado apenas pelo sobrenome por quase todo o livro. Wormold é, como já disse, um inglês que vive em Havana, capital de Cuba, antes da revolução que destruiu o país. Lá ele tem uma loja de aspiradores de pó... bem específico, né? Também achei... Mas ele vive ali, com seu funcionário, os negócios não andam muito bem, Wormold tem gastos desnecessários para atender as vontades peculiares da filha Milly(que é a melhor personagem do livro), tipo: pagar estábulo para um cavalo que ganha de um capitão do exército que é seu amigo (embora suas intenções sejam, claramente, ser mais do que isso).
  Em um dia como qualquer outro um homem inglês visita a loja de Wormold, tem uma breve conversa estranha e vai embora... Quando Wormold o reencontra ficamos sabendo que este homem é parte do serviço de inteligência inglês, e recruta o protagonista como espião (assim do nada mesmo, Wormold também fica sem entender) e a partir de então ele ganha uma confiança da qual não é digno, uma responsabilidade que não tem noção do tamanho e um salário melhor do que o esperado.
  O livro tem momentos hilários, de humor inglês, então talvez não funcione com todo mundo, comigo funcionou. Passamos a acompanhar um homem um tanto sem noção fazendo coisas para justificar o salário que recebe, criando uma rede de espionagem com vários membros (que não sabem que são membros) e muitos relatórios (totalmente inventados), porque se é para revelar segredos que só ele tem conhecimento, quem é que vai confirmar ou negar tais segredos, certo?
  Graham Greene não é o autor mais fluido da face da Terra, costumo levar mais tempo para ler os livros dele do que de muita gente por aí... Mas este livro é diferente, a narrativa descontraída, com problemas grandes, mas explorados de forma engraçada e beirando o absurdo faz a leitura andar que é uma beleza.
  Mesmo sendo uma comédia, o livro ainda trás temas que nos fazem refletir, como sinceridade, caráter e dever, não só dever cívico, mas também seu dever moral, de defender os seus. Milly é uma jovem adorável, mesmo com seus gostos caros. Ela tem momentos divertidíssimos, resistindo às investidas do capitão Segura, seus momentos no convento e sendo o ponto religioso que está presente em boa parte dos livros do autor.
  Pode não ter se tornado minha obra favorita de Graham Greene, mas sem dúvida nenhuma é a mais divertida que li dele. Tem um filme baseado nesse livro, está disponível legendado no YouTube gratuitamente, comecei a ver, mas como sou uma negação para filmes, ainda não terminei.


Henry Graham Greene nasceu na Inglaterra, em 1904. Aos 13 anos, vai para um colégio interno; solitário e humilhado pelos colegas, tenta o suicídio várias vezes. É então mandado para Londres, onde faz tratamento psiquiátrico por seis meses. Seu analista o encoraja a escrever e o introduz no seu círculo literário.
Em 1925, publica seu primeiro livro, de poesia. Estuda em Oxford e, em 1926, converte-se ao catolicismo por influência de sua namorada, Vivien, com quem se casaria no ano seguinte. Entre 1926 e 1930, trabalha como editor no jornal The Times, de Londres.
Seu primeiro romance, O Homem Interior, é de 1929. No mesmo ano, deixa o The Times e passa a atuar como crítico literário e de cinema no Espectator, onde fica até 1940. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalha para o governo inglês nos ministérios da Informação e do Exterior -e também como agente secreto. Nas décadas seguintes, continuaria a escrever ficção e exercer o jornalismo. Morre em Vevey, na Suíça, em 1991.
Greene é um dos escritores ingleses mais lidos do século 20. Publicou mais de 60 livros, entre romances, contos, peças de teatro, relatos de viagem, ensaios, roteiros de cinema e biografias.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

[Opinião] Aguapés - Jhumpa Lahiri #520

Editora: Biblioteca Azul (Globo Livros)
 
N° de Páginas: 440
 
Quote:
 "Só há algo a aprender se estivermos vivos. Na morte somos iguais. Ela tem essa vantagem em comparação à vida."
 
Opinião:
  Jhumpa é uma das minhas autoras favoritas, mas por não ter uma obra muito extensa, e nem mesmo toda ela foi publicada no Brasil, não leio livros dela com frequência... ainda mais que agora só resta uma publicação inédita para mim no país.
  Aqui conhecemos dois irmãos, Subhash e Udayan, quando ainda são crianças na Índia, com o passar dos anos os irmãos vão adquirindo gostos diferentes, principalmente ao entrarem na faculdade. Subhash, o mais velho, resolve ir aos Estador Unidos para dar sequência aos seus estudos, enquanto Udayan, o caçula, fica na Índia e vira um guerrilheiro comunista.
  Poucos autores tem tamanha capacidade de passar tanta verdade em sua narrativa como a Jhumpa, ela conduz sua história dando mergulhos ocasionais na mente de seus personagens de uma forma que os faz parecer quase palpáveis, explorando a fundo os sentimentos, ressentimentos e dilemas de cada um.
  A narrativa vai continuar nos mostrando a vida desses personagens, lutando para entender e conquistar seus lugares, as viagens que acontecem de um país para o outro e o ressentimento que surge na família, primeiramente dos pais com Udayan, não tanto por causa da guerrilha comunista (o que já seria motivo para ser deserdado) mas também por casar com uma mulher que vai se revelar não se tão doce, e sem o consentimento dos pais, isso se tratando de um país onde normalmente quem escolhe os cônjuges são os pais. E mais tarde também por Subhash, que na cabeça deles virou as costas para a família e causou tanto ou até mais desgosto que o irmão.
  É uma bela história sobre laços familiares, e como muitas vezes esses laços são facilmente quebrados, sobre não pertencimento, que é um tema recorrente na obra da autora, por ser filha de indianos e viver nos Estados Unidos, mesmo tendo nascido na Inglaterra ela fala bastante sobre a vida de imigrantes, os choques culturais e como encontrar seu lugar no novo país quando não se tem mais lugar na terra natal. Além disso o livro vai falar sobre a solidão e tristeza, de todas as formas possíveis e imagináveis. Não apenas a solidão física e por ser uma estranho numa terra estranha, mas a solidão a que nos submetemos ao tomar decisões que nos isolam física ou emocionalmente das pessoas com que convivemos, a solidão proveniente da abnegação ou, o contrário, do egoísmo, quando renunciamos a tudo e a todos para alcançar um objetivo que só irá satisfazer nosso ego, e as vezes descobrimos que, na realidade, nem isso.
  É um livro tocante, bastante melancólico mas de uma beleza única. Com personagens muito humanos que nos despertarão ora admiração ora repúdio.
  Um livro cru e extremamente realista, que abarca desde a relação familiar até questões cascudas de política e períodos da história da Índia. Simplesmente fenomenal!

 

Filha de indianos, Jhumpa Lahiri nasceu em Londres, em 1967, e cresceu em Rhode Island. Intérprete de males, seu primeiro livro, surpreendeu a crítica e os leitores americanos e lhe valeu alguns dos prêmios literários mais importantes dos Estados Unidos: Pulitzer 2000, New Yorker de Melhor Estréia em Ficção, Pen/Hemingway, Prêmio O'Henry e Prêmio Metcalf da Academia Americana de Artes e Letras.
Seus contos exploram com mestria o território intermediário entre duas culturas, dois sexos, duas faixas etárias - o território dos intérpretes.







domingo, 16 de julho de 2023

[Opinião] O Condenado - Graham Greene #517

Compre pela Amazon 

 
Editora: Biblioteca Azul (Globo Livros)

N° de Páginas: 328

Quote:
"Ficou ali dentro, no escuro, com a navalha na mão, procurando arrepender-se. Quis pensar em Spicer e em Fred, mas seu pensamento não ia além da esquina onde seus perseguidores poderiam reaparecer. Descobriu que não tinha energia para se arrepender."

Opinião:
  Escolhi este livro para ser meu livro de junho do desafio MSL, que seria um livro que falava sobre decisões difíceis porque na sinopse dele fala que o protagonista, Pinkie Brown (falaremos mais sobre esse nome logo, logo) era um garoto, líder de gangue que comete vários crimes enquanto lida com uma moça apaixonada, enfrenta dilemas morais de um casamento sem a bênção de Deus e tenta conquistar o respeito do resto da máfia... Mas não é exatamente isso que encontramos aqui. Os fatos sim, mas os dilemas do protagonista são diferentes dos que a sinopse leva o leitor a pensar.
  Pinkie Brown é um nome interessante, ao olhar pra ele você enxerga duas cores: rosa (pink) e marrom (brown) e vai mostrar muito bem a dualidade desse personagem, o rosa representando sua ingenuidade e, em certo sentido, inocência, sendo um jovem de 17 anos, ainda totalmente imaturo nas questões adultas em sua essência, com a aversão ao sexo de uma criança que ouviu falar mas tem a estranheza e repulsa comum da infância (que vem se perdendo, mas que é importante para manter a pureza). E o marrom representando o homem bruto e sujo que ele tenta se provar ser, que comete crimes e despreza a tudo e a todos.
  O livro começa com a perseguição de Hale, um jornalista que tenta fugir da punição que Pinkie e seu bando planejam para ele, nessas tentativas ele vai conhecer Ida Arnold, que já aviso que é a melhor personagem do livro, com larga vantagem... Enquanto anda com Ida, que é uma espécie de prostituta, mesmo que não seja exatamente isso, para usá-la como escudo, já que não vão atacá-lo tendo uma testemunha, vemos seu desespero crescer, e em um breve momento de ausência da parte de Ida, Hale encontra seu fim. Ida então vai passar o restante do livro investigando o que aconteceu com Hale, mesmo que sua morte tenha sido considerada como "causas naturais".
  Para encobrir esse crime, o bando de Pinkie deixa algumas pistas falsas que acabam envolvendo Rose, uma garçonete de 16 anos que acaba desenvolvendo uma paixão doentia por Pinkie, que para calá-la resolve se casar com ela, mesmo com todo o desprezo que ele sente pela mesma.
  Vários crimes são cometidos e muitas conversas extremamente interessantes são construidas. É um livro lento (como todos os do autor que li até hoje), que vai passear nos temas comuns de sua obra, a crença, muitas vezes distorcida, e a decadência do ser humano. Vai falar muito sobre a dualidade, a vida de aparências, a paixão doentia e obsessiva da juventude. Sobre como a verdade, muitas vezes, é bem diferente do que é mostrado, além de sentimentos reprimidos e a barganha com a fé, Pinkie se diz católico, apesar de acreditar muito mais no inferno do que no céu:
"'Claro que é verdade!', disse o Garoto. 'Que mais poderia haver? [...] Pois se é a única coisa aceitável! Esses ateus não sabem nada. Está claro que existe o inferno. Chamas e maldição, [...] tormentos.' 'E o céu também', disse Rose com ansiedade, enquanto a chuva caía interminavelmente. 'Ah! Pode ser, pode ser...'"
  Em vários momentos Pinkie se lembra do que um padre lhe disse uma vez, que entre a cela do cavalo e o chão um jóquei tem tempo de se arrepender e ser perdoado se esse arrependimento for real, então ele vive a sua vida da pior forma possível, satisfazendo desejos que nem são realmente dele pensando que nos segundos que antecederão sua morte ele poderá se arrepender e não ir para o inferno.
  O livro tem um clima sombrio que vai durar até o fim da história, se tornando ainda mais obscuro conforme as páginas vão passando até chegar ao final que é bastante cruel, algumas coisas eram previsíveis enquanto outras nos deixam com um gosto amargo na boca.
  Um livro cru, corajoso e indigesto, mas que nos faz refletir sobre como levamos a nossa vida e quantas vezes ignoramos a realidade achando que haverá tempo para corrigir nossas rotas, mostrando que há muito lobo em pele de cordeiro, e que as vezes nós é que somos o lobo.
 

 



sábado, 3 de dezembro de 2022

[Opinião] O Poder e a Glória - Graham Greene #358

 Compre pela Amazon

Editora: Biblioteca Azul (Globo Livros)

N° de Páginas: 296

Quote:
"Em todo o caso, tinham fuzilado cinco padres, dois ou três haviam fugido, o bispo estava a salvo na Cidade do México, e um só se havia conformado à ordem do governador, que impusera casamento aos padres. Morava agora junto ao rio, com a sua governanta. Esta era, sem dúvida, a melhor solução: poupar aquele homem que era o exemplo vivo da fraqueza da sua fé. Isso bem prova que, durante anos, tinham vivido na impostura. Pois, se realmente acreditassem no Céu e no Inferno, não se teria recusado a um breve instante de sofrimento para merecer a eternidade..."

Opinião:
  Adivinha, sim... mais uma postagem onde você terá o prazer de ver meu rosto e ouvir a minha voz kkk. Este é o primeiro da lista de melhores do ano de 2022.
  Principalmente por esse motivo eu gravei um videozinho falando um pouco sobre ele, diferente da grande maioria das postagens com video podem ficar tranquilos que nesse não teremos spoilers.







sábado, 17 de julho de 2021

[Opinião] O Americano Tranquilo - Graham Greene #349

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Editora: Biblioteca Azul

N° de Páginas: 232

Quote:
"Ele socava a minha porta, mas eu fingia dormir como se estivesse de volta ao arrozal e ele fosse o inimigo. De repente, dei-me conta de que as batidas haviam cessado, alguém falava em voz baixa do lado de fora e outra pessoa respondia. Sussurros são perigosos. Não conseguia distinguir quem falava. Levantei com cuidado e, com a ajuda da bengala, alcancei a porta da sala. Talvez houvesse me movido com demasiada pressa e sido ouvido, pois um silêncio cresceu do outro lado. Um silêncio como gavinhas de uma planta: parecia crescer sob o vão da porta e esparramar suas folhas pela sala onde eu estava. Era um silêncio que não me agradava e acabei com ele abrindo a porta de supetão."

Sinopse:
  Em que medida as paixões são contaminadas pelas ideologias?
  Em Saigon, durante a Guerra da Indochina, o britânico Thomas Fowler, correspondente calejado e cético, vê Phuong, sua amante vietnamita, ser cortejada pelo americano Alden Pyle, jovem e idealista. Não bastassem os dramas relacionados ao afeto e ao sexo, esse triângulo amoroso vai sofrer os efeitos da violenta guerra entre tropas francesas e guerrilheiros comunistas e da intervenção dos Estados Unidos. Romance de amor, suspense e guerra, O Americano Tranquilo evidencia porque Graham Greene é considerado um dos maiores autores do século XX.

Opinião:
  Esse foi meu segundo contato com este autor que sempre tive muita curiosidade, O Americano Tranquilo é um dos seus livros mais famosos, e entendo o porquê, mas confesso que ainda acho O Cerne da Questão (Opinião aqui) um livro mais interessante.
  Aqui também teremos uma espécie de triângulo amoroso, muito mais triangular do que no outro livro supracitado. A história gira em torno de três personagens: Pyle, um agente secreto jovem e idealista a quem o título do livro se refere. Fowler, um correspondente inglês mais velho, dominado pelo ceticismo e ja meio cansado da vida. E Phuong, que era amante de Fowler mas depois torna-se namorada de Pyle.
  O livro começa com Fowler e Phuong esperando a chegada de Pyle, quando são surpreendidos por um oficial que veio para levar Fowler para interrogatório, ai ficamos sabendo que Pyle foi assassinado.
  O livro vai se dividir entre a investigação desse assassinato e momentos do passado que vão narrar a chegada de Pyle e toda a trajetória que o levou a ter um relacionamento com a antiga amante de Fowler.
  Nesse vai e vem vemos como a Guerra é cruel, reduzindo as pessoas a nada, principalmente as pessoas que nem sequer estão envolvidas na guerra, que são tratadas como meros efeitos colaterais das batalhas, batalhas essas que, muitas vezes, não significam nada nem mesmo para os soldados.
  Toda a parte da investigação do assassinato é interessante de acompanhar, mas fica obscurecido pelo terror da sangrenta batalha onde não se vê esperança e nem sentido.
  É um livro bastante curto, com pouco mais de duzentas páginas, mas que vai exigir certo tempo para a leitura por ser bastante carregado e a escrita do autor ser bastante densa, ou seja, é um livro lento, o que não significa que é ruim.
  Por não ser um grande fã de romance as partes mais focadas no relacionamento entre os personagens não me animaram muito, mas elas tem sua razão de existirem e em varios momentos, principalmente no que se refere a relação Fowler e Phuong, não tinha quase nada de romantismo, era mais uma questão de posse e desejo mesmo.




sábado, 17 de outubro de 2020

[Opinião] Fahrenheit 451 - Ray Bradbury #312

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Editora: Biblioteca Azul

N° de Páginas: 215

Quote:

"Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela."


Sinopse:
Escrito após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1953, Fahrenheit 451, de Ray Bradubury, revolucionou a literatura com um texto que condena não só a opressão anti-intelectual nazista, mas principalmente o cenário dos anos 1950, revelando sua apreensão numa sociedade opressiva e comandada pelo autoritarismo do mundo pós-guerra. Agora, o título de Bradbury, que morreu recentemente, em 6 de junho de 2012, ganhou nova edição pela Biblioteca Azul, selo de alta literatura e clássicos da Globo Livros, e atualização para a nova ortografia.
A singularidade da obra de Bradbury, se comparada a outras distopias, como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, ou 1984, de George Orwell, é perceber uma forma muito mais sutil de totalitarismo, uma que não se liga somente aos regimes que tomaram conta da Europa em meados do século passado. Trata-se da “indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético – a moral do senso comum”, segundo as palavras do jornalista Manuel da Costa Pinto, que assina o prefácio da obra. Graças a esta percepção, Fahrenheit 451 continua uma narrativa atual, alvo de estudos e reflexões constantes.
O livro descreve um governo totalitário, num futuro incerto, mas próximo, que proíbe qualquer livro ou tipo de leitura, prevendo que o povo possa ficar instruído e se rebelar contra o status quo. Tudo é controlado e as pessoas só têm conhecimento dos fatos por aparelhos de TVs instalados em suas casas ou em praças ao ar livre. A leitura deixou de ser meio para aquisição de conhecimento crítico e tornou-se tão instrumental quanto a vida dos cidadãos, suficiente apenas para que saibam ler manuais e operar aparelhos.
Fahrenheit 451 tornou-se um clássico não só na literatura, mas também no cinema. Em 1966, o diretor François Truffaut adaptou o livro e lançou o filme de mesmo nome estrelado por Oskar Werner e Julie Christie.

Opinião:
  Sabe quando você pega três livros famosos e lê na ordem que você acredita que será do "pior" para o melhor e quando você termina vê que fez a ordem inversa? Foi o que aconteceu comigo com as três distopias clássicas. Sabia vagamente sobre o que se tratavam e peguei primeiro 1984, que tinha sim expectativas mas não eram tão altas, acabei gostando demais daquele livro. Depois fui para o livro que sabia menos a respeito: Admirável Mundo Novo, acabou sendo, também, uma leitura muito importante. Aí chegamos onde minha expectativa era maior... e também na minha maior (única) decepção.
  Este é o livro mais curto dessa tríade de grandes obras, e por tratar do amor aos livros eu tinha na minha cabeça que seria o livro mais empolgante e que conversaria melhor comigo... não foi o que aconteceu, o começo é bacana, temos uma sociedade onde os livros são proibidos, não por determinação do Estado para manter o povo alienado e sugestionável, mas por determinação do povo mesmo, eles não queriam se sentir incomodados, instigados e confrontados, assim sendo, vamos extinguir toda a forma de arte que estimule o pensamento e a auto crítica, certo? Afinal, a ignorância é uma bênção...
  Toda a construção de mundo é muito bem feita e verossímil, compramos a ideia facilmente, mas aí as coisas começam a desencarrilhar um pouco. Tudo se tornou à prova de fogo para que os bombeiros pudessem entrar nas casas com lança-chamas e tacar fogo em tudo mas apenas os livros se queimarem... não seria mais crível se esses livros fossem tirados da casa e queimados em um lugar apropriado para isso ao invés de transformar absolutamente tudo em materiais nada inflamáveis? E se roupas podem ser à prova de fogo por que nenhum dos gênios rebeldes fez os livros com o mesmo material?
  Ok, aumentamos o nível da suspensão da descrença, mas conseguimos prosseguir... aí encontramos o texugo, um monstro de metal que "vive" no quartel dos bombeiros que só está no livro para perseguir o protagonista, a explicação de sua existência não é nada convincente e deu um grande salto para fora da verossimilhança da história.
  A personagem que causa o primeiro incômodo no protagonista e seu despertamento da vida embicilizante que ele, e todos ao seu redor, vive é feito de forma convincente e crível, a escrita do autor é muito boa, mas não consegui ignorar alguns problemas no livro, pretendo fazer uma nova leitura em algum momento, mas no presente esse livro foi uma decepção, em parte, claro, por causa de expectativas muito elevadas.




quarta-feira, 19 de agosto de 2020

[Opinião] Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley #297

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Editora: Biblioteca Azul

N° de Páginas: 312

Quote:
"Esponjar-se na lama não é a melhor maneira de ficar limpo."

Sinopse:
  Uma sociedade inteiramente organizada segundo princípios científicos, na qual a mera menção das antiquadas palavras "pai" e "mãe" produzem repugnância. Um mundo de pessoas programadas em laboratório, e adestradas para cumprir seu papel numa sociedade de castas biologicamente definidas já no nascimento. Um mundo no qual a literatura, a música e o cinema só tem a função de solidificar o espírito de conformismo. Um universo que louva o avanço da técnica, a linha de montagem, a produção em série, a uniformidade, e que idolatra Henry Ford. Essa é a visão desenvolvida no clarividente romance distópico de Aldous Huxley, que ao lado de 1984, de George Orwell, constituem os exemplos mais marcantes, na esfera literárias, da tematização de estados autoritários. se o livro de Orwell criticava acidamente os governos totalitários de esquerda e de direita, o terror do stalinismo e a barbarie do nazifacismo, em Huxley o objeto é a sociedade capitalista, industrial e tecnológica, em que a racionalidade se tornou a nova religião, em que a obra de Shakespeare adquire tons revolucionários. Entretanto, o moderno clássico de Huxley não é um mero exercício de futurismo ou de ficção científica. Trata-se, o que é mais grave, de um olhar agudo acerca das potencialidades autoritárias do próprio mundo em que vivemos.

Opinião:
  Mais um livro que nos assombra.
  Esse nem tanto pelos personagens, mais pela situação, de todos as distopias e livros de ficção especulativa que já li esse foi o que me pareceu mais provável, mais próximo de acontecer... Não necessariamente a parte onde os seres humanos serão criados em linhas de montagem, mas todo o resto é triste e assustadoramente próximo dos dias atuais. Fato que talvez torne necessária a criação de fábricas de humanos...
  Mas você talvez pense que estou exagerando, vamos aos fatos:
  Aqui o conceito de família já não existe, e a simples ideia de engravidar causa repulsa em todas as pessoas, mas quanto mais sexo você fizer e com mais pessoas diferentes for mais bem visto pela sociedade você é.
  Todos são incentivados a ficar sempre felizes e satisfeitos, os problemas emocionais, questionamentos, discussões e  mesmo diferenças foram abolidos (de certa forma).
  A religião se tornou algo tão pervertido que o deus dessa realidade é Henry Ford, e as cerimônias religiosas são grandes orgias.
  O prazer e a felicidade são artificiais, providos por remédios que todos tomam diariamente, é uma sociedade dopada que não se dá conta disso.
  Sua identidade é formada por uma espécie de programação televisiva, você passa todo o seu período de formação sendo hipnotizado, para agir como os demais.
  O próprio consumo é levado ao limite, novos produtos são lançados com uma frequência assustadora, tornando os anteriores obsoletos, e para não ficarem obsoletos juntos, as pessoas descartam o antigo para adquirir o novo.
  Idosos são desprezados.
  Se isso não é assustadoramente parecido com a nossa realidade, ou pelo menos para que alguns grupos militantes lutam para tornar a nossa realidade, você está muito cego ou não está vivendo no mesmo mundo que eu, se for esse o caso (o que não é), sorte a sua.
  Um mundo com aparência de perfeito, mas que destrói tudo que nos faz humanos, e por não possuir mais essa humanidade, qualquer traço dela causa horror às supostas pessoas normais.
  Um mundo hedonista e antropocêntrico e assustadoramente próximo.


domingo, 16 de agosto de 2020

[Opinião] Intérprete de Males - Jhumpa Lahiri #296

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Editora: Biblioteca Azul (Edição Exclusiva TAG: Experiências Literárias)

N° de Páginas: 208

Quote:
"Para mim não fazia sentido. O sr. Pirzada e meus pais falavam a mesma língua, riam das mesmas piadas, pareciam mais ou menos iguais."

Sinopse:
  Celebrando vinte anos de lançamento, Intérprete de Males continue mais relevante do que nunca, abarcando todas as consequências possíveis de um mundo globalizado. Jhumpa Lahiri nos toma pela mão e, a cada história, nos apresenta a personagens que se encontram no meio do caminho de um fio condutor identitário: em meio a deslocamentos e realocações, quantas origens e culturas podem habitar uma pessoa?

Opinião:
  Já faz algum tempo que tive o prazer de conhecer a narrativa da Jhumpa com o livro O Xará, que figura na minha lista de livros favoritos até hoje.
  Aqui temos 7 contos (se não me engano e bem me lembro), sobre os contos não pretendo falar aqui, eles serão comentados no futuro, separadamente, não necessariamente todos, mas alguns. Nesses contos a autora vai abordar o assunto que, pelo que parece, permeia toda a sua obra, o imigrante. Se não estou enganado apenas dois desses contos se passam na Índia, mas todos tem protagonistas indianos, a maioria vivendo nos Estados Unidos.
  Isso reflete bem a realidade da autora, já que ela é filha de pais indianos que imigraram para a Inglaterra onde ela nasceu e mais tarde foi naturalizada estadunidense, mas é lindo ver a força das raízes indianas em sua obra.
  A autora aborda todo o tipo de tema, entre conflitos de casal até descobertas infantis, mas como disse, o pano de fundo é sempre a questão cultural indiana, e na maioria dos casos o choque cultural vivido pelos imigrantes.
  Dentre as minhas histórias favoritas estão Quando o Senhor Pirzada vinha jantar, que é sobre a angústia de estar longe da família, sobre a perca das raízes dos filhos de imigrantes, já que o novo país não se importa em contar a história do país dos pais, só importa a história dele. Esse conto é interessante pois trata da partição da Índia, um assunto que realmente não é tratado nas escolas pelo mundo, eu mesmo só sabia desse evento devido a um episódio de Doctor Who.
  Todas as histórias nos tocam de alguma forma, despertam nossa empatia não só pelo estrangeiro, mas também pelo idoso e excluído.
  Arrisco a dizer que é a melhor coletânea de contos que já tive o prazer de ler.

sábado, 16 de maio de 2020

[Opinião] O Cerne da Questão - Graham Greene #275

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Acho interessante comentar que a sinopse do livro traz meio que um spoiler do final da história.


Editora: Biblioteca Azul

N° de Páginas: 350

Quote:
"O paraíso permanecia rigidamente em seu lugar do outro lado da morte, e deste lado floresçam as injustiças, as crueldades, a mesquinhez que em outros lugares as pessoas escondiam com tanta engenhosidade."

Sinopse:
  Scobie é um major inglês que trabalha em uma colônia africana durante a Segunda Guerra Mundial. Após a partida de sua esposa para a África do Sul, ele participa do resgate de um naufrágio, e ali presencia a morte de uma criança. Esse episódio o faz reviver a morte da sua filha, que falecera poucos anos antes. Enquanto revive o luto, conhece Helen, uma das vítimas do naufrágio, que se torna sua amante. Depois de ser chantageado e se envolver em ações corruptas para o tráfico de diamantes, o major passa a viver dividido entre o dever e a culpa.
  Ao construir uma trama de viés ético-religioso como o pano de fundo de um país colonial durante a guerra, Graham Greene se afasta dos clichês da literatura de viagem. O Cerne da Questão é, sobretudo, um romance sobre culpa e provação, expiação e suicídio.

Opinião:
  Já fazia um tempo que eu tinha curiosidade de ler algo desse cara, sempre ouvi falar dele, tanto quando se referiam a autores cristãos como quando se referiam a grandes escritores ingleses, considerados semi-clássicos. Consegui então esse livro através de uma troca no Skoob e então finalmente tive a oportunidade de conhecer a obra dele.
  Aqui conhecemos o Major Scobie, ele trabalha em uma colônia britânica na África, pela capa já podemos supor que se passa em Serra Leoa, um país localizado no litoral ocidental do continente. Quando sua esposa, Louise, vai viver com ele começa a infernizá-lo para que ele a mande para viver na África do Sul, onde outras esposas de oficiais moram, alegando que na colônia onde está ela não tem amigos e ninguém gosta dela, o que na minha opinião faz todo sentido porque eita mulherzinha insuportável, viu!?
  Depois de um perrengue danado para conseguir dinheiro para mandar a megera, digo, a esposa, para a África do Sul, Scobie ajuda no resgate das vítimas de um naufrágio, e lá ele presencia a morte de uma menina que o faz lembrar da morte de sua filha, alguns anos antes. Enquanto se contorce com o luto ressurgido ele acaba se envolvendo com um mulher que também foi resgatada do naufrágio e acabou ficando viúva em decorrência dele. A partir daí vemos um homem dividido entre a sua fé, ele é bastante católico, e seu amor, que segundo ele é igual, em relação a esposa e a amante.
  É interessante ver como a história de Scobie se desenrola, mostrando uma pessoa controversa, que ao mesmo tempo que tenta transparecer uma santidade, e inclusive convencendo a si mesmo que é tão santo quanto possível, se afunda cada vez mais no pecado do adultério, que acaba se revelando apenas a raiz de uma vida pecaminosa, onde um abismo chama outro abismo, assim como vemos na história do adultério do Rei Davi, quando esse pecado acaba dando origem a outros e causando consequências irreparáveis na vida do mesmo.
  Diferente da história de Davi aqui vemos que as consequências do pecado recaem única e exclusivamente sobre o pecador, até porque ele não tem filhos ou familiares próximos nos quais a sua queda pudesse respingar lama. Vi muita gente dizendo que o final do livro era algo romântico, uma espécie de redenção e até mesmo a única saída possível, mas eu não concordo com isso, como eu disse: para mim é muito mais uma história sobre o pecado, parafraseando as palavras de Davi "apodrecendo os ossos do pecador", e como um abismo chama outro abismo até que a pessoa se encontre tão profundamente que não enxerga mais a saída mais lógica, uma história que mostra na prática qual é o salário do pecado.
  O autor era católico e ainda é reconhecido como um dos grandes autores católicos, mas ele não gostava dessa alcunha, ele preferia dizer que era um autor que tinha como religião o catolicismo, mas nas minhas parcas pesquisas fiquei sabendo que o tema do pecado e suas consequências é algo que permeia a obra dele, quero muito ler outras coisas dele, já que essa primeira experiência foi bastante satisfatória.
  



domingo, 4 de agosto de 2019

[Opinião] O Sonho dos Heróis - Adolfo Bioy Casares #238

https://www.skoob.com.br/o-sonho-dos-herois-866057ed871375.html
Editora: Biblioteca Azul (Edição exclusiva TAG: Experiências Literárias)

N° de Páginas: 207

Quote:
"Você me pergunta se vai vê-la. Sim e não. Eu o defendi contra um deus cego, eu rompi o tecido que devia se formar. Embora seja mais fino que o ar, voltará a se formar quando eu não estiver mais aqui para evitar."
Sinopse:
 Em 1927, o jovem Emilio Gauna ganha uma aposta e decide gastar todo o dinheiro com os amigos em um alucinante Carnaval portenho. Ao receber que pouco se recorda do que aconteceu na noite anterior, o personagem fica refém da sua obsessão por descobrir a verdade sobre os acontecimentos e as pessoas presentes, mas, sobretudo: quem é aquela mulher misteriosa com quem dançou no baile de máscaras?


Opinião:
  O livro enviado pela TAG Curadoria em Abril deste ano é provavelmente um dos livros mais bonitos, graficamente falando, que tenho na estante, o título também chama bastante atenção. Como meu orçamento não me permite mais ser assinante da TAG uso outros métodos para conseguir os livros enviados por eles, esse, por exemplo, consegui em uma troca no Skoob, e a moça ainda mandou com a luva e a revistinha :3 O que foi muito útil, além de manter minha coleção da TAG padronizada pela primeira vez pausei a leitura do livro para ler a revistinha, já que não entendia patavinas do que estava acontecendo.
  Na história acompanhamos o jovem Gauna, que para resumir, é um idiota, que faz parte de um grupo de amigos idiotas e dentre eles tem um homem mais velho, que é o master idiota, e é admirado por Gauna e seus amigos. Certo dia o barbeiro para o qual Gauna vai lhe dá uma dica para apostar na corrida de cavalos, Gauna adere ao conselho e caba ganhando um considerável dinheiro, ele então chama os idiotas que andam com ele, digo, seus amigos e vão torrar o dinheiro em uma festa de carnaval que dura três ou quatro dias. Depois que acaba a festa Gauna tem um branco na memória e se lembra muito pouca coisa da noite anterior, só de ter se encantado com uma mulher mascarada.
 Gauna fica meio que obcecado com a dita mulher, até que ele vai fazer uma visita para o Bruxo Taboada, uma espécie de vidente da cidade, mesmo ele não acreditando muito ele acaba perguntando ao dito Multiplicação, digo, Taboada, se verá a garota novamente, e a resposta dele é o trecho que destaquei, trecho este que só fará sentido no final do livro.
  A partir daí a história se arrasta terrivelmente, onde Gauna mostra ser um idiota beeeem machista e beeeem idiota, já disse que ele é um idiota? algumas coisas acontecem que fazem com que além de lenta e desinteressante ao extremo a história se torne bastante previsível. A cada parágrafo eu cogitava a possibilidade de abandonar o livro, admito que só continuei por ser um livro curto, mas demorei semanas para conseguir chegar ao que eu considero o ponto de virada da história, que é a morte de determinado personagem, a partir dessa morte, que em si não tem grande estardalhaço nem importância para a história, mas a partir daí as coisas voltam para os eixos, e no final temos uma coisa, que se parece com o final de um livro que gostei pra caramba, que foi A Vida Peculiar de um Carteiro Solitário, que é uma coisa meio mágica e tals.
  Enfim, depois que o livro engrena as folhas voam, a história se torna simplesmente incrível e o desfecho vale o sacrifício que é chegar até lá, ainda bem, só eu sei como eu estava esperando gostar desse livro.
  É um livro sobre o esforço para salvar quem amamos e também sobre amadurecimento e quão tóxico pode ser conviver com o tipo errado de pessoas. Como disse o primeiro e segundo atos da história são extremamente difíceis de ler, são chatos, enfadonhos... um verdadeiro porre. Mas o ato final é maravilhoso, e compensa o esforço, até porque, por mais que o que vem antes seja chato ele prepara bem o caminho para que o desfecho faça sentido.
  Enfim, um livro que, apesar dos pesares, curti pra caramba, e me fez pensar se deveria ter abandonado todos os livros que já abandonei na vida...
  Se você leu me diga: quem você considera os heróis do título?

quarta-feira, 31 de julho de 2019

[Marca Texto] O Sonho dos Heróis - Adolfo Bioy Casares

  Fazia muito tempo que não saía nenhum marca texto aqui no blog - fazia um tempo que não saía nada, a bem da verdade. Mas hoje eu estava lendo esse livro (tentando decidir se gosto ou não dele, inclusive) e me deparei com uma passagem que girou algumas engrenagens na minha cabeça e decidi que dormiria um pouco mais tarde mas precisava compartilhar esse trecho com alguém.


"Enquanto isso o lojista discutia laboriosamente com um caixeiro-viajante, que lhe oferecia 'um produto muito nobre, umas pantufas com feltro'. O lojista estudava suas promissórias e repetia que, em vinte e cinco anos atrás de um balcão, nunca tinha ouvido falar calçado com filtro. Talvez pela inata falta de escrúpulos na maneira de pronunciar, não percebiam diferenças entre o feltro que um oferecia e o filtro que o outro recusava: não chegavam a nenhum acordo: falavam sem parar; desprezando-se mutuamente, cada um esperando, sem pressa, com indignação, que o outro se calasse para responder, sem sequer ouvi-lo."


  Então, obviamente tenho toda uma história sobre a chegada desse livro às minhas mãos, mas isso é assunto para outra postagem, hoje falaremos unicamente deste trecho.
  Li ele no meu intervalo no serviço (basicamente o único momento que tenho para ler durante a semana), este trecho me chamou a atenção desde a forma como é escrita, que destoa, ligeiramente, da narrativa truncada do restante do livro, mas o que ela mostra também é válido e nos faz pensar no velho ditado (pelo menos na minha família é praticamente um ditado) - Você não é teimoso, teimoso é quem teima contigo, porque sabe que não adianta.
  Quantas vezes, principalmente em negociações comerciais, como na retratada, insistimos exaustivamente em algo que nosso suposto ouvinte nem sequer está ouvindo, quanto tempo e saliva desperdiçamos inutilmente sem obter nem sombra do resultado almejado? E quantas vezes nós não temos consideração suficiente para ouvir quem está a nossa volta, não apenas alguém que está apenas fazendo seu trabalho, mas no nosso dia-a-dia, com a família e os amigos, eles precisam descarregar o estresse ou simplesmente dividir experiências ou jogar conversa fora e não temos sequer a consideração de ouvir, isso quando não interrompemos achando que o que temos a dizer é mais importante/interessante, claro que o inverso também acontece, mas sabe como é o batido mas verdadeiro ditado, seja você a mudança que deseja ver.
  Mais empatia para ouvir, mas respeito para deixar falar, e mais amor para dar atenção, um exercício diário que quase nenhum de nós se digna a executar.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

[Opinião] O Xará - Jhumpa Lahiri #220

Compre pela Amazon e ajude a manter o blog
Editora: Biblioteca Azul (edição exclusiva TAG Experiências Literárias)

N° de Páginas: 336

Quote:

  O rosto se transforma; Ashoke nunca viu uma coisa mais perfeita. Imagina a si mesmo como uma personagem escura, granulada, borrada. Como um pai para seu filho. Outra vez ele pensa na noite em que quase morreu, a lembrança dessas horas que lhe marcaram para sempre tremula e desaparece em sua mente. Ser resgatado das ferragens daquele trem foi o primeiro milagre de sua vida. Porém aqui, agora, repousando em seus braços, pesando quase nada, mas mudando tudo, está o segundo."

Sinopse:
  Gógol Ganguli tem nome russo, sobrenome indiano e um espírito dividido. Filho de imigrantes begalis que vivem nos Estados Unidos, enfrenta desde criança a crise típica de um tempo de fronteiras instáveis e vidas em trânsito: a de não se reconhecer em nenhuma cultura ou lugar.
  Em meio a um constante conflito entre diferentes modos de vida - retratados na educação, na relação com os pais, na vida profissional -, Gógol Ganguli vai buscar no embate com o próprio nome e nas relações amorosas um espelho no qual possa descobrir quem realmente é.

Opinião:
  Já falei aqui no blog sobre minha assinatura da TAG, queria me associar mas ficava postergando, quando vi que a curadora do mês de fevereiro (longínquo inicio de ano) seria (foi, no caso) Martha Medeiros resolvi me associar de vez, e o livro escolhido pela minha querida gaúcha foi esse.
  Esse foi, salvo engano, o primeiro livro de autor indiano que li na vida, e consequentemente, meu primeiro contato "mais próximo" com a cultura do país, e eu adorei.
  É até difícil falar desse livro, mesmo se eu tivesse lido ele recentemente, o que não é o caso, felizmente é um livro marcante, e me lembro bem dele.
  Enfim, qual é o plot da história? Temos um casal indiano que se muda para os EUA para que o marido possa trabalhar como professor naquele país, lá eles tem um filho, que é o nosso protagonista, apesar de eu ter me identificado e torcido pelo pai, Ashoke.
"Ele volta para o Globe, ainda andando de um lado para o outro enquanto lê. Um leve mancar faz o pé direito arrastar-se quase imperceptivelmente a cada passo. Desde a infância ele tem o hábito e a capacidade de ler enquanto anda, segurando um livro na mão a caminho da escola, de um cômodo para o outro na casa de três andares dos pais em Alipore, ou enquanto subia e descia as escadas de argila vermelha. Nada o tirava da leitura. Nada o distraía. Nada o fazia tropeçar. Na adolescência leu toda a obra de Dickens. Leu autores mais novos também, Graham Greene e Somerset Maugham, todos comprados em sua banca favorita na rua College, com dinheiro que ganhava no pujo. Mas ele gostava dos russos mais que tudo.[...] Uma vez, um jovem primo tentou imitá-lo, caiu da escada de argila vermelha na casa de Ashoke e quebrou um braço. A mão de Ashoke sempre esteve convencida de que seu filho mais velho seria atropelado por um ônibus ou um bonde, com o nariz enterrado em Guerra e Paz. Que ele estaria lendo um liro no momento de sua morte."
  Também tenho o costume de ler enquanto caminho.
  Enfim, na cultura bengali é comum que as crianças recebam dois nomes, um "nome bom" que é o nome oficial, que constará no documento, e um "nome de criação" que é um apelido carinhoso pelo qual ele será chamado dentro da família, e apenas dentro da família. A cultura deles também valoriza e respeita muito os patriarcas e matriarcas da família (temos muito que aprender com eles) e mesmo vivendo nos Estados Unidos o casal Gaguli estava esperando uma carta da avó de um deles (tenho quase certeza que dele, mas minha memória já está meio balançada) com o "nome bom" que ela escolheu para o bebê que estava pra chegar, o nome de criação já estava escolhido, Gógol, em homenagem ao autor favorito do pai do menino, que tem toda uma história que o une aos escritos do russo, muito bacana e tocante, o livro valeria só por ela... mas a carta se perde no trânsito, e quando resolvem que o nome deverá ser dito por telefone já que não daria tempo de outra carta ser enviada... a dita avó morre.
  O que resta é batizar o menino com o "nome de criação" e esse é só o primeiro problema na tentativa de manter a tradição de seus antepassados.
  O tema principal do livro é, sem margem para questionamentos, a questão da identidade de cada um, o que define você? Seu lugar de nascimento? Sua educação escolar? Seus antepassados? Aprendi recentemente que não é nada disso, mas esse é um assunto para outro momento, mas uma coisa ainda acredito, deve-se ter respeito pelas suas raízes, coisa que nosso personagem não tem muita, mas também precisamos ver o lado dele, está em um tempo e uma terra diferente, que contrasta drasticamente com os costumes e a cultura de seus pais, que também falham em deixar que seu filho siga sua vida e encontre seu lugar no mundo.
  A escrita da autora é de uma delicadeza ímpar, não é a mais fluida do mundo, o livro demora pra passar, mas não por ser maçante, longe disso, é uma leitura que clama ser saboreada, que convida o leitor a refletir, criar empatia, coisa fácil nesse caso, os personagens são magistralmente desenvolvidos e vívidos, a autora é extremamente convincente.
  Em suma, é um livro envolvente, daqueles que te agarram e que te introduzem na história como poucos fazem, te faz rir com e dos personagens, e também te faz chorar... muito... várias vezes. e sobre o final, não quero estragar a leitura de ninguém, mas dá um dorzinha no coração, um sentimento de foi tudo em vão, é isso, essa é a vida, dura e cruel. Ele é melancólico, mas sem ser pedante, ele não é forçado, é extremamente sensível e cru.
  Sobre a edição da TAG nem tem o que falar, certo? Revisão perfeita, capa caprichada (e dura) diagramação extremamente agradável e autógrafo na folha de rosto XD

Eu sei o que vocês estão pensando, não é só a escrita da mulher que é linda

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