"Ele era um gênio, claro [...] Mas, ao mesmo tempo, também era arrogante, vaidoso, uma pessoa muito difícil. Um neurótico como nunca tinha visto antes. Às vezes se recusava a tocar com o resto do grupo, queria números sozinhos. Na banda todos o detestavam e o chamavam de 'o único' porque nunca conversava com ninguém, a impressão que tinham era que sempre os olhava de cima para baixo. Agora, sem a menor dúvida, tocava maravilhosamente. Mas se eu não o mandasse embora perderia o resto da banda. Só no último dia, quando veio se despedir, achei-o um pouco triste. 'Dedico a você meu silêncio', ele me disse, e saiu correndo. Não sei o que quis dizer com isto: 'Dedico a você meu silêncio'. Dá pra entender?"
O último livro de Vargas Llosa, lançado dois anos antes de sua morte, mas já avisando que seria seu último romance, é um livro... queria dizer cômico, mas não chega a tanto... mesmo sendo uma espécie de sátira.
Mas não daquelas sátiras que te fazem rir, é mais uma ironia... Nosso protagonista, Toño Azpilcueta (não consigo decorar a grafia desse sobrenome por nada) é um crítico literário medíocre, pra dizer o mínimo, a'te tem certo respeito, mas só escreve artigos pra umas revistas menos conhecidas. Seu casamento é um fracasso, e ele não tem lá muita perspectiva de vida. Ele é convidado para assistir a apresentação de um violinista que, logo de cara, o arrebata... Toño tem certeza de que é uma dos músicos mais talentosos que já conheceu e que ele terá uma carreira brilhante... o que não acontece.
Poucos dias depois, Toño descobre que Lalo faleceu na miséria... Toño então decide escrever a sua biografia, entrevistando pessoas que o conheciam e os fãs que, acredita ele, existem. Uma das primeiras pessoas a ser entrevistada, e que se tornará uma personagem central no livro, é Cecília Barraza, a contra-parta ficcional de uma cantora peruana que realmente existe, ainda viva, inclusive, com seus 72 anos. O trecho que coloquei no início da postagem é dela, o que já ajuda a explicar um pouco sobre a personagem.
Toño então resolve escrever não só uma biografia, mas uma espécie de ode à música crioula (ou música tradicional peruana).
O livro é daquela leva do autor de capítulos alternados, em alguns acompanhamos a vida de Toño, suas pesquisas para o livro e tudo mais... nos outros capítulos acompanhamos o livro em si... que confesso ser chaaaaaaaaato... até porque as partes mais importantes serão lembradas nos capítulos onde a narrativa "principal" se desenrola.
Toño é um sonhador, o típico ingênuo que acha que pode salvar o mundo, na cabeça dele, a música crioula é a chave para pacificar o Peru, ele acha que todos vão se sentar em uma grande roda e, ao ouvir a mesma música, todas as diferenças e divergências serão esquecidas magicamente e todos concordarão com tudo e o mundo será cor-de-rosa cheio de pôneis saltitantes...
O livro, como já disse, traz uma ironia meio melancólica... dá uma sensação estranha de choque de realidade, de utopia risível. Toño degringola conforme a história avança, cada vez mais desconectado da realidade e mais inconveniente para quem convive com ele. É um personagem irritante em vários momentos, não é má pessoa, mas é iludido e irredutível em suas convicções abobalhadas...
É um bom livro, cheio de simbolismo, divertido em alguns momentos, irritante em outros. Diria que o autor encerrou bem sua carreira.
Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados escritores da atualidade. Nascido no Peru, em 1936, passou a primeira infância na Bolívia. Viveu em Paris e lecionou em diversas universidades norte-americanas e europeias.
Foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual"
Faleceu, de causas naturais, em 13 de abril de 2025, em sua casa na cidade de Lima, no Peru.




Nenhum comentário:
Postar um comentário