"Mas é incrível, não é? Você leva uma vida inteira de boas ações para criar um bom nome e sustentar sua honra, mas basta uma decisão errada para te jogar no mais profundo limbo que a desonra pode trazer."
Eu não sou o cara da fantasia, nunca fui um grande fã, mas dentro da fantasia, o que mais me agrada é justamente a alta fantasia, que é quando tudo acontece num mundo à parte, não se mistura com o mundo real, enfiando coisas fantásticas no nosso dia-a-dia, minha suspensão da descrença não é evoluída a ponto de comprar essa ideia... o que é irônico, já que o surrealismo de autores como Haruki Murakami muito me agrada.
Felizmente o que temos aqui é justamente uma dessas altas fantasias, com um mundo totalmente criado para a história, e longe de ser um mundo feito de qualquer jeito. O autor realmente se preocupou em colocar os alicerces de toda a criação deste mundo para poder ambientar sua história. Desde um sistema de magia, que funciona dentro da simplicidade na qual foi baseada, até um sistema de crenças, que soa bastante familiar, mas falemos dele mais adiante.
Aqui conhecemos Rubyo, o filho bastardo de um rei assassinado, seu reino foi dissolvido e seu povo dispersado, todos vivendo sob o jugo da amargurada rainha Lucrécia, que era a esposa oficial, embora não passasse disso, do rei Edmund VI... Não vou falar aqui como se dá essa dinâmica do casamento deles e do nascimento de Rubyo porque isso só será explicado lá pela metade do livro.
Apesar de ser o herdeiro ilegítimo de um reino dissolvido, Rubyo tem, mais do que o sonho de reconquistar o trono (que no momento nem existe), leais súditos, na falta de termo melhor, que o preparam para o seu futuro e incerto reinado. São eles seu tio, Argus, que é mestre em um estilo de batalha chamado Eddor, que usa para treinar o sobrinho, e Ollaff, que não é um boneco de neve com a voz de Fábio Porchat, mas um mago de cerca de 400 anos, versado em magia e que ensina Rubyo alguns truques... como lançar muito úteis bolas de fogo na cara de inimigos.
Esses personagens, juntamente com um quarto companheiro, formarão o grupo principal da aventura neste livro, e conforme a história avança (abarcando cerca de 9 anos, com dois saltos temporais, que são muito bem trabalhados - por que choras, Nathaniel Hawthorne?) vamos conhecendo como funciona o mundo ao qual fomos inseridos, tudo sendo mostrado, com raros momentos de explicação que não tem aquele teor de aula expositiva, mas cumpre o papel melhor do que se fosse.
O autor é um médico de Taubaté... não da forma que soa, ele realmente é um médico que mora em Taubaté... é também um cristão e pai de duas filhas, tem um canal no Youtube onde faz resenhas hilárias e excelentes... a parte do youtube é relativamente recente, mas já dá pra consumir um pouco do conteúdo... ele tem também muito conteúdo sobre seus livros, videos, ilustrações e músicas que colaboram com a imersão, mas é um plus, o livro se sustenta muito bem sem estes extras... Por que estou falando disso? Porque sabendo disso, você consegue fazer alguns paralelos no livro... Muitos dos ensinamentos de Mestre Ollaff e ditados do mundo apresentado no livro tem origem bíblica... ou de piadas de tiozão do pavê
"Boi em curral alheio, muge igual vaca"
e isso se reflete também no sistema de crenças que mencionei antes, a divindade presente neste mundo é composta por três deuses, o que pode não ter sido nem a intenção, mas a mim parece uma clara referência a trindade cristã.
Por ser médico, também temos muitos detalhes anatômicos presentes na história, desde descrições de ferimentos, até formas de tratá-los, embora em muitos dos casos eles se curem na base da magia (a sorte, porque o autor não tem pena nenhuma dos personagens), até alguns conhecimentos que os personagens tem que algumas pessoas podem não ter, normalmente, como cheirar ferimentos pra identificar uma possível infecção.
O livro pode ser encontrado em e-book, na Amazon, inclusive disponível no Kindle Unlimited, ou comprado físico no site da editora ou diretamente com o autor (que, segundo ele, na mão dele é mais barato), você pode entrar em contato pelo instagram, é fácil encontrá-lo, deve ser o único Reyves por lá...
Sobre a capa do livro... confesso que tive preconceito... na verdade, tive vários preconceitos, num primeiro momento, sobre a capa, minha crítica foi ela ser muito escura, mas ela retrata um momento de bastante peso na narrativa, então acho que coube muito bem e passei a gostar mais dela depois da leitura (embora a dos outros volumes continuem sendo melhores). Uma única crítica que tenho, em relação a história, é que, em determinado momento, logo no início da aventura, acontece a morte de um animal... e tudo bem que era um animal pelo qual um dos personagens tinha muita estima e tal... mas me pareceu que o autor quis dar um peso um tanto exagerado para o episódio... pelo menos ele não minimiza a morte de ninguém, todas tem um peso bastante coerente... só essa que achei um pouco exagerado.
Uma coisa inevitável quando você já leu muita coisa, é ficar fazendo conexão com outros livros que já leu, apontando semelhanças, e aqui não foi diferente pra mim, vi várias semelhanças com outras obras, não no enredo em si, mas alguns detalhes, como Rubyo ser um menino ruivo que toca alaúde, assim como Kvothe, em O Nome do Vento (pelo menos essa trilogia está completa, aprenda Patrick Rothfuss), também lembrei, sem mencionar os detalhes, para não estragar a leitura de ninguém, de Prícipe Caspian, Os Legados de Lorien e até de O Concorrente, do Stephen King (que eu não li, mas vi o filme... não que seja algo muito específico).
Em suma, é um livro divertido, criado com bases sólidas, bastante coerente, divertido e que funciona perfeitamente como o início de uma trilogia, a história deixa o leitor com gosto que quero mais e não tem nada sobrando. Tudo muito bem elaborado e desenvolvido com extrema eficiência. Vai se tornar o livro da vida de alguém? Não sei dizer, mas duvido que alguém se arrependa da leitura.
Reyves Lorenzoni é nascido em Taubaté-SP, cidade berço de grandes ficcionistas como Monteiro Lobato, Mazzaropi e a Grávida de Taubaté. Médico e escritor, cuida de corações e de palavras. É autor da trilogia fantástica “O Jogo do Rei”, que foi escrita nos intervalos de seu trabalho como cardiologista, marido e pai. Durante a pandemia de COVID-19, encontrou seu refúgio na escrita e não parou mais de escrever, fazendo parte também de diversas coletâneas de contos como Brasil Despedaçado, Brevidades e Tesouros Encantados. Tão caseiro quanto um Hobbit, gosta de passar seu tempo livre pescando, fotografando, lendo e jogando.
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