"Saiu meio sufocado do estrado dos noivos e, entre flashes de fotógrafos, trambolhões, cumprimentos, conseguiu chegar ao jardim. Ali a concentração humana era menor e podia-se respirar. Tomou um cálice e viu-se cercado por uma roda de médicos amigos, por intermináveis piadas que tinham por tema a viagem de sua mulher: Mercedes não ia voltar, ia ficar com algum francês, no alto da testa dele já estavam começando a brotar uns chifrinhos.''
A ideia era deixar para trás os livros que li antes de retornar com o blog e falar só sobre os que li a partir da retomada, mas como Vargas Llosa é minha obsessão desse ano, assim como Julian Barnes foi minha obsessão em 2024, resolvi falar dos livros que li dele esse ano, já que me acho apto a escrever sobre eles confiando na minha boa memória da leitura.
Tia Julia e o Escrevinhador foi o quarto livro do autor que li na minha vida, o primeiro desse ano, e se tornou uma leitura especial não só por ele em si, mas no dia seguinte ao que concluí essa leitura, veio a notícia do falecimento do autor, o último do boom latino-americano, segundo alguns, o maior deles... já fiz um vídeo comentando brevemente sobre o autor na ocasião de sua morte, então de aqui pra frente vou me ater a este livro em específico.
Tia Julia e o Escrevinhador é um livro de alto cunho autobiográfico, uma vez que o próprio autor é o protagonista e vai contar, com retoques romanceados, seu relacionamento com quem veio a ser sua primeira esposa. Julia era uma viúva de 32 anos, colombiana, irmã da esposa do tio de Vargas Llosa que vai até o Peru passar um tempo com a irmã enquanto busca um novo casamento.
"Tio Lucho advertia tia Julia que se se mostrasse exigente demais não encontraria marido peruano. Ela se queixava de que, também aqui, assim como na Bolívia, os moços bons eram pobres, e os ricos, feios, e que quando aparecia um moço bom e rico era sempre casado."
Ao conviver com Julia, o então jovem de 18 anos, Vargas Llosa começa a despertar um interesse, que no início não é necessariamente romântico, mas logo evolui para isso. Vargas Llosa já possui pretensões literárias que se acentuam ao conhecer Pedro Camacho, um renomado autor de radionovelas que todos acompanham.
A estrutura da obra é uma das favoritas do autor, com capítulos intercalados entre a história que dá nome ao livro e as novelas de Pedro Camacho, que funcionam aqui como contos, mas todos sendo interrompidos em seu momento de ápice e deixando a conclusão à cargo do leitor, inclusive com perguntas provocadoras. Essas novelas também são comentadas pelos personagens de fora delas, mas esses comentários não são exatamente sobre as histórias que lemos... Em uma dessas histórias conhecemos um personagem conhecido como cabo Lituma, e o autor tem um livro chamado Lituma nos Andes... se tem alguma relação real além da coincidência do nome, só saberei quando ler este outro livro.
O livro, apesar dos confrontos com a família que não vê com bons olhos a relação entre o jovem com uma mulher mais velha que é uma tia de consideração, tem um teor bastante cômico, principalmente da metade para o final, quando Pedro Camacho começa a misturar suas histórias e ficar fraco da cabeça enquanto Varguitas (como tia Julia o chama) e a amada superam os obstáculos impostos ao relacionamento deles.
Outro ponto interessante é que mesmo que toda a família esteja contra o namoro do casal protagonista, eles também têm aliados, a irmã de Julia e seu marido ajudam bastante para que o relacionamento engrene, a filha deles também é uma grande amiga do protagonista/autor... o que é interessante de se reparar quando você conhece mais da vida do autor... Vargas Llosa realmente se casa com a tia de consideração chamada Julia, da qual se separa depois de 8 anos, se não me engano, e se casa com a prima, essa que aparece no livro como amiga dele e que era uma das poucas familiares que aprovava o relacionamento com a mulher mais velha.
É um livro super divertido, que me fez gostar mais do autor e, aliado a trágica notícia de seu falecimento, foi o responsável pela minha obsessão no autor que está em vigor em 2025.
Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados escritores da atualidade. Nascido no Peru, em 1936, passou a primeira infância na Bolívia. Viveu em Paris e lecionou em diversas universidades norte-americanas e europeias.
Foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual"
Faleceu, de causas naturais, em 13 de abril de 2025, em sua casa na cidade de Lima, no Peru.
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