domingo, 12 de outubro de 2025

[Opinião] A Cidade e os Cachorros - Mario Vargas Llosa #559

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"Todo mundo fuma no colégio [...] Um maço diário por cabeça. Ou mais. Os oficiais mão fazem ideia do que acontece. Todos ferravam com o Escravo, eu também. Mas depois fiquei amigo dele, o único. Me contava as coisas dele. Tiravam sarro dele porque tinha medo de apanhar. Não era brincadeira, meu tenente, Mijavam em cima dele enquanto dormia, retalhavam o uniforme para que ele ficasse detido, cuspiam na comida dele, obrigavam-no a ir para o fim da fila, mesmo que tivesse chegado em primeiro lugar."

  Este é o primeiro romance escrito pelo Llosa, e sem dúvida uma de suas melhores obras.
  Aqui o autor vai fazer o que adorava: usar um microcosmo pra criticar todo o país, com a sua corrupção e injustiça acontecendo bem debaixo dos olhos das autoridades que é conivente ou totalmente ignorante da realidade.
  Aqui conhecemos um grupo de cadetes do Colégio Militar Leoncio Prado, um colégio que realmente existe e no qual o autor estudou, inclusive, o personagem Alberto, também chamado de Poeta, é inspirado no próprio autor... o quanto corresponde a ele na realidade é difícil saber. Mas Alberto ganha o apelido de poeta por gostar de escrever e fezê-lo melhor do que a maioria dos outros alunos... inclusive escrevendo cartas para que eles pudessem mandar para seus familiares e contos eróticos para substituir as revistas de mesmo teor que foram apreendidas pelos oficiais da escola.
  O livro não segue uma linha cronológica clara, ele é mais um quebra-cabeças temporal que você precisa ir montando conforme faz a leitura. O narrador muda de primeira para terceira pessoa em diversos momentos, e quando em primeira pessoa não é sempre o mesmo personagem que narra, além de passearmos entre o presente, passado e futuro sem nenhum aviso ou demarcação clara, é algo que exige atenção da parte do leitor para que ele consiga se situar em que momento do tempo está o relato que está lendo no momento, sabendo que na próxima linha tudo pode mudar, e o autor consegue fazer isso de forma genial. É uma bagunça, mas é feito com maestria, não um acidente na construção do texto.
  Se Alberto/Poeta é nosso principal protagonista, o garoto conhecido como Jaguar é nosso antagonista e Escravo a força motriz da narrativa. Jaguar é um garoto grande e forte, um dos mais respeitados do Circulo (Circulo é o grupo que os cachorros - como os novatos são chamados - cria para bater de frente com os veteranos que os maltratavam). O ápice da história se passa quando os meninos do Círculo já estão no quarto ano. Alguém invade a diretoria para roubar as respostas da prova que será aplicada e vende aos demais o material furtado. Como Escravo é o menino mais raquítico, bolsista, pois seus pais não tinham dinheiro para mandá-lo para o Colégio e arcar com as mensalidades, além de estar sempre querendo agradar, acaba aceitando levar a culpa pelo roubo das respostas, o que o faz ser detido (é tipo uma prisão militar dentro do Colégio mesmo) e ficar muito tempo sem sair da escola e visitar a família... além de uma moça por quem nutre fortes sentimentos.
  A partir desta e várias outras injustiças, vemos Escravo, cujo verdadeiro nome é Ricardo Arana, definhar aos poucos, mas a história vai muito além disso.
  É um livro violento, duro e potente. Repleto de corrupção e injustiça, que vai escalando até passar de simples insubordinação até alcançar níveis criminais severos.
  Além dos cadetes dentro e fora do Colégio, e nessa mistura de tempos narrativos, também acompanhamos o Tenente Gamboa, um dos responsáveis pelo colégio. Temos um mergulho interessante em seus pensamentos, ambições e frustrações, o que está longe de ser um alívio do caos que é o núcleo dos cadetes.
  Sem dúvida este é um dos melhores livros que o autor escreveu, muito longe de ser um demérito aos demais, mas desde a trama até a forma de estruturar a narrativa colocam essa obra em um lugar de destaque na obra do peruano, considerado por alguns (eu incluso) o maior dentre os autores latino-americanos.

Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Mario Vargas Llosa é um dos mais conhecidos e prestigiados escritores da atualidade. Nascido no Peru, em 1936, passou a primeira infância na Bolívia. Viveu em Paris e lecionou em diversas universidades norte-americanas e europeias.
Foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2010 "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual"
Faleceu, de causas naturais, em 13 de abril de 2025, em sua casa na cidade de Lima, no Peru.



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